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A VIDA É UMA FESTA, NÃO SE PERCA NA PORPURINA| GALERIA GAUCHE| PARIS

Festa.

 

“A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e depois afrouxa, acomoda e desperta. O que a vida quer de nós é coragem." Como se guiada pela sabedoria de Guimarães Rosa, Renata Egreja acumula os ânimos da vida em suas telas de grande formato, registrando dia a dia a fúria, depois a doçura, o movimento amplo, depois o vontade de apagar tudo, quando quieta pinta com gratidão pela vida, quando inquieta pinta com a fúria de quem conhece a inevitável finitude da vida, é assim, arrastando a vida, coragem para a vida e pintando.

 

O gesto outrora contido, a ponto de traçar o contorno de uma flor, no dia seguinte é descontrolado, espalhando tinta líquida por toda a tela. Cada pintura é composta de várias camadas desses humores. Um se sobrepõe ao outro, ou melhor, repousa sobre o outro, sem escondê-lo. Convivem como nós com o passar dos dias, uns de tranquilidade, outros de desespero. E segue. Esse registro de estados psíquicos cruza um diário de viagens e culturas que o artista vivenciou nos últimos anos, misturando cores carnavalescas bem brasileiras com iconografia indiana.

 

Quantos verbos estão marcados nessas telas? Espalhar, derramar, levantar, raspar, contornar, espirrar, bater, borrar, misturar, jogar, aplicar, colar, traçar, preencher. Para acabar com esses cataclismos de energia vital, o artista fecha a tela com uma chave, que é sempre um padrão linear traçado na camada superior: linhas que fazem a veneziana pintar (e quem se atreve a abrir essa veneziana e olhar para a massa disforme de vida?), uma flor que atravessa a tela de alto a baixo, contendo gentilmente os dias passados, que ainda pulsam na composição, bandeirinhas que separam a festa caótica do mundo real, desenhadas em movimentos que imitam a escrita cursiva. Ainda em paralelo com a escrita, se essas telas fossem textos, seriam prosa coloquial, em que o prazer está na grafia errada e na gramática trêmula, que forma um espaço de expressividade espontânea. E, a partir dos anos em que o artista brasileiro estudou na École de Beaux-Arts de Paris, essas pinturas vernáculas situam-se entre Guimarães Rosa e Raymond Queneau, sem esconder os sotaques, os ruídos, a falta de acabamento, em frases autenticamente tortuosas .

 

“Não há nada mais bonito do que morrer em uma festa. Para mim, a pintura representa esse drama, de morrer numa festa”, diz a artista. Pinte para continuar, para fazer fluir a energia vital do corpo. Levantando todos os dias. Quando seca e a festa acaba, foi bem vivida; então é passar a chave e ir para a próxima. Tela? Vida? Tudo embrulhado. Se a pintura acabou, comece de novo com uma nova pintura. "

 

Para Zipper Galeria,

Paula Braga, 2010

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