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CORES DO INTERIOR| FAMA Museu
Cores Do Interior por Paula Borghi
Com um olhar panorâmico para a obra de Renata Egreja, Cores do Interior é um projeto que se divide entre duas exposições individuais realizadas nas instituições Fama e MARP, respectivamente em Itu e Ribeirão Preto; cidades do interior de São Paulo. Com o compromisso em contextualizar mais de uma década de pesquisa artística, as mostras se dão de forma autônoma, por mais que sejam complementares. Nelas é possível percorrer um total de 27 trabalhos realizados durante o período de 2009 a 2023, acompanhando o percurso conceitual e poético de investigação da artista.
Com o intuito de traçar um caminho generoso e afetuoso para se adentrar com profundidade nesta vasta e profícua trajetória artística, o eixo curatorial tem como norte a cor enquanto guia. Compreendendo a potencialidade cromática como um dos principais sintomas da obra de Renata Egreja, esta se apresenta enquanto um agente ativo na construção da forma, do gesto e da linguagem. Elegendo a pintura como principal meio para se comunicar com o mundo, é possível afirmar que a artista encontra na matriz pictórica sua expressão.
Como sugere o título, este é um projeto que perpassa tanto uma perspectiva pessoal (aquilo que está no âmago de sua autora, em seu interior), como geográfica (enquanto manifestação de uma paisagem interiorana), quanto histórica (a representação simbólica das cores). De modo que é no encontro destas três instâncias que os trabalhos aqui presentes se organizam, numa trança de possibilidades que instiga também o público a acessar suas próprias particularidades, seu interior.
Referente a paleta cromática da produção de Renata Egreja, cabe destacar a cor rosa como uma das principais protagonistas. Presente com diferentes nuances em quase todos os trabalhos, esta é a tonalidade que acompanha a artista em seu espaço de ateliê e de vida. Natural e residente de Ipaussu, cidade situada no interior de São Paulo quase divisa com o estado do Paraná, lá ocorre o pôr do sol mais bonito do Brasil, segundo a artista. Conhecido por suas variações rosadas, próprias do cair do sol a oeste, este fenômeno natural e diário é uma de suas grandes inspirações. Tem-se, então, a percepção da paisagem interiorana enquanto um agente de contemplação, de deleite, de estar em contato com a natureza.
Nota-se a paisagem como um indicador geográfico, de um local que está à margem dos grandes centros urbanos, dos diferentes tons de cinza do concreto e do asfalto. Enquanto o colorido presente em sua obra vem de um colorido que é vivido diariamente por ela e de forma natural, com uma intensidade que só é possível de se acessar fora das megalópoles, é pelo exagero cromático nas combinações das técnicas de pintura tie-dye, a óleo e acrílica, acrescidas a presença de pigmentos naturais e sintéticos, tais como mica e purpurina, que se cultiva a diversidade dos meios e das cores.
A respeito destes tons de rosa, nota-se que eles se aproximam da simbologia do sangue, da cor da terra e do pôr do sol de Ipaussu, como já mencionado. Uma vez mais o local e todas as questões deste “interior” físico e simbólico, atuam como agentes nessa produção artística; pois é na contramão do formalismo que a subjetividade da artista se faz presente em sua obra. São aspectos que despertam a cor para uma percepção própria do sensível, capaz de abordar afetos presentes na maternidade, no acolhimento e na amorosidade.
A propósito do tema dos trabalhos, o gênero natureza-morta é recorrente, bem como o universo do ambiente doméstico. Uma vez mais, se visa dar à luz aquilo que está no espaço interior. A casa, os adornos e sua família são algumas das influências, muitas vezes presentes a partir da imagética das flores. Entretanto, é possível perceber que a natureza-morta abordada por Renata Egreja está tão viva quanto a própria. Referências de flores, plantas e formas geométricas (próprias das formações genéticas da vida) são combinadas a estudos cromáticos que dão corpo ao trabalho da artista, como se suas imagens dissessem ao mundo que sentem a força vital dos pássaros, dos rios, das crianças, das plantas e de tudo aquilo que pulsa, que vive. De forma sintética, como se suas imagens vibrassem na mesma frequência vital de suas inspirações.
Quanto à abordagem histórica do uso da cor rosa, esta foi recentemente associada à questão do gênero feminino, sobretudo após 1980 impulsionada pelo capitalismo. Do mesmo modo, pode-se associar tal questão à cor azul, visto ser sobre a dicotomia entre o azul e o rosa que se estrutura a base de uma paleta dirigida à identificação de gênero binário. Identificação esta que desde então, em muitas culturas, se faz preponderante na constituição da indumentária e da vestimenta dos bebês e das crianças em seus primeiros anos de vida como um dos primeiros artifícios visuais para categorização de gênero binário. Fruto desta geração, cabe lembrar que a artista cresceu sob influência da associação da cor ao gênero binário.
Fazendo uso da cor rosa, da iconografia floral e do adorno, temas muito caros a sua pesquisa, é importante e preciso ter cuidado para não julgar os trabalhos aqui expostos com conceitos que evocam julgamentos elaborados pelo patriarcado. Há em Cores do Interior um posicionamento feminista, dentro dos muitos feminismos que há. Como quem diz: Vai ter artista mulher fazendo pintura de natureza-morta com tons rosa, sim! Inspirada e acompanhada pelo eco de outras artistas, como Georgia O’Keeffe, Gabriela Machado e Beatriz Milhazes, ela também enfrenta críticas por sua produção ser categorizada como “eye candy” e feminina. São adjetivos empregados enquanto sinônimos de inferioridade. Como resposta, a presença da cor rosa, flores e purpurina.